As águas doces cumprem papel fundamental na história das civilizações. Indispensáveis para a sobrevivência humana, rios, lagos e riachos estão presentes na economia, nas manifestações culturais, na construção social, na saúde da natureza e atravessam profundamente a política. Esses ecossistemas aquáticos, entretanto, sofrem intensa degradação em todo o mundo.
Ao analisarmos o contexto da Caatinga, é possível indicar que essa degradação é marcada pela superexploração da terra por monoculturas e pecuária, desmatamento, mineração, barramento, intensa extração de madeira, exploração de ecossistemas frágeis, incêndios florestais, irrigação incorreta e uso excessivo de agrotóxicos. Nesse cenário, os efeitos agravados das mudanças climáticas potencializam e são potencializados pelo impacto desses agentes.
Para reverter esse panorama, é preciso incluir os fluxos d’água no debate de conservação, promover a proteção legal das águas — aplicando instrumentos eficazes de planejamento, gestão e governança —, cuidar responsavelmente das vegetações próximas aos cursos fluviais e promover o uso sustentável dos recursos naturais. Em consonância, regenerar a vegetação nativa do bioma, respeitar o direito humano de acesso à água em qualidade e quantidade adequadas e reduzir a desigualdade social.
O Programa Rural Sustentável (PRS) entende que, para contribuir com a saúde dos ecossistemas terrestres e aquáticos, é urgente incentivar a agropecuária sustentável. O Projeto Rural Sustentável – Caatinga (2019-2023) trabalhou em conjunto com a população sertaneja a fim de fortalecer as tecnologias sociais nos territórios e complementar com estratégias agrícolas de baixa emissão de carbono.
Nesta matéria, nos envolveremos nos braços multiculturais das águas da Caatinga, refletindo sobre o impacto sociocultural das águas sertanejas, as principais ameaças para os ecossistemas aquáticos e estratégias para o cuidado hídrico.
Águas e gente se encontram na Caatinga
Por onde correm, os rios, riachos, lagoas e açudes catingueiros contam histórias de afeto e luta. Na Caatinga, essas águas constroem memória, mobilizam tecnologias para convivência com o Semiárido, reforçam identidade e habitam tradições e práticas culturais. Para além de saciar a sede, fluem cultivando vida.
A baixa umidade, irregularidade e longos períodos sem chuvas são fatores marcantes e naturais no sertão brasileiro. As águas, assim, se adaptaram: a maioria são intermitentes, reduzindo o volume em algumas épocas do ano e reaparecendo em outras. Por outro lado, existem os rios perenes, como o rio Parnaíba, Poti e o São Francisco — protagonista, nasceu em Minas Gerais, mas é sertanejo de coração, com 80% de suas águas na Caatinga. Existem, até, as águas perenizadas por meio de açudes, como o Jaguaribe.
Na bacia do São Francisco, a vida pulsa. Banhando 505 municípios em seis estados e o Distrito Federal, além da significativa biodiversidade de vegetação e animais, diversas populações coexistem na bacia, nos ambientes urbanos e rurais. É lar de múltiplas comunidades indígenas e tradicionais — quilombolas, comunidades de fundo de pasto, pescadores artesanais, ribeirinhos, sertanejos e geraizeiros. Para muitas dessas populações, o trabalho e a identidade estão diretamente ligados às águas regionais, envolvendo, também, a noção de pertencimento, respeito e conhecimento dos territórios onde habitam.
Mais de 16 milhões de brasileiros estão inseridos na bacia do Velho Chico, de acordo com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Economicamente, a agricultura é o carro-chefe na região e tem grande potencial para o transporte de cargas, a produção de energia elétrica, a piscicultura e o turismo.
Os catingueiros, especialmente aqueles nas áreas rurais, enfrentam desafios quanto à escassez d’água. Para lidar com a seca, as populações sertanejas desenvolvem diversas estratégias, especialmente para a garantia de água potável, o cultivo agrícola e produção pecuária. Alguns exemplos são as tecnologias sociais, como as cisternas para armazenamento da água da chuva; a retenção de água com açudes; e a aplicação da agricultura sustentável, como agroflorestas.
Estratégias territoriais para fortalecer a sustentabilidade e melhorar a qualidade de vida
A Caatinga vem enfrentando um sério fenômeno ambiental, que se intensifica com o passar dos anos e interfere na disponibilidade hídrica regional: a desertificação. Esse é um processo de degradação contínua que regiões de clima semiárido, de terras secas e consideradas frágeis por conta da baixa capacidade regenerativa. Impacta diretamente na biodiversidade local e na sustentabilidade socioeconômica da região, podendo tornar o solo improdutivo e reduzir consideravelmente a disponibilidade e a qualidade hídrica.
A desertificação é influenciada pela superexploração da terra por monoculturas, desmatamento, mineração, sobrepastoreio, intensa extração de madeira, exploração de ecossistemas frágeis, incêndios, irrigação incorreta e uso excessivo de agrotóxicos. Um de seus efeitos é a erosão: esse processo pode gerar a perda de 10% na produção agrícola e remover 75 bilhões de toneladas de solo até 2050, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Consciente desse cenário, o Projeto Rural Sustentável – Caatinga (2019-2023) atuou de forma comprometida com a redução do impacto da agricultura e pecuária no bioma. Incentivou e valorizou, também, as tecnologias sociais desenvolvidas para a convivência com o semiárido, desde aquelas voltadas para armazenamento hídrico até as que viabilizam energia sustentável, como o ecofogão e o biodigestor.
Durante quatro anos, o Projeto atuou a fim de reduzir as emissões de gases do efeito estufa e viabilizar a economia no bioma — teve como força motora o desejo de reduzir a pobreza local e contribuir para a segurança alimentar. Incidiu diretamente nos principais vetores de degradação ambiental da Caatinga, trabalhando pela transição sustentável no setor produtivo e conciliando o desenvolvimento socioeconômico com a conservação da natureza.
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