Cuidado com a vida e as águas: práticas produtivas sustentáveis fortalecem a segurança hídrica

No Cerrado e na Amazônia, Programa Rural Sustentável incentiva agroextrativismo, agricultura e pecuária responsável com o uso dos recursos hídricos

A proteção das águas no Brasil, sejam subterrâneas ou superficiais, está diretamente ligada à maior conservação do solo, contenção do desmatamento e redução do uso de insumos químicos e agrotóxicos pelo setor produtivo. 

Neste Dia Mundial das Águas (22), o Programa Rural Sustentável reforça a urgência em transformar a pecuária e a agricultura através da sustentabilidade. São doze anos de comprometimento com tecnologias produtivas de baixa emissão de carbono em diversos biomas brasileiros — começamos na Mata Atlântica e na Amazônia, entre 2012 e 2019. Em 2019, expandimos com o Projeto Rural Sustentável – Caatinga (2019-2023) e o Projeto Rural Sustentável – Cerrado, que continua em atividade. Retornamos ao bioma amazônico com o Projeto Rural Sustentável (2022-presente), engajados em incentivar o agroextrativismo e a sociobioeconomia nos territórios.

É um legado — histórico e ainda em construção — em resposta aos desafios ambientais e climáticos no país. Esse trabalho propõe técnicas e abordagens que conciliam a produtividade no campo com o cuidado com a natureza, à biodiversidade e às diversas populações. Atua na mitigação de gases do efeito estufa e promove melhor qualidade de vida no meio rural.

Te convidamos a refletir sobre o impacto da agropecuária tradicional ao meio ambiente e como a conservação ambiental e o desenvolvimento rural sustentável podem caminhar juntos, como alternativas ao cenário atual. Inspirando a partir do exemplo, temos algumas histórias, dos Projetos no Cerrado e na Amazônia, para contar.

A dimensão das águas cerratenses e amazônicas — e seus desafios

‘Caixa d’água’ e ‘berço das águas’  são dois termos frequentemente associados ao Cerrado brasileiro, dada a sua importância hídrica para todo o país. Lar de diversas nascentes — incluindo nascentes dos rios que formam o Pantanal —, o bioma é responsável parcialmente pela recarga hídrica superficial e subterrânea das principais bacias hidrográficas no Brasil e na América do Sul. 

“Três dos principais aquíferos do Brasil — Bambuí, Urucuia e Guarani — fluem pelo território do bioma. O Guarani, o aquífero mais conhecido por sua grande extensão, possui metade de sua área contida dentro do bioma”, detalha Bruna Cesca Capelete, Assessora de Campo do Projeto Rural Sustentável – Cerrado. 

Na gigante amazônica, ao pensarmos em águas doce, lembramos dos volumosos rios – e com razão. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, o bioma é lar da maior bacia hidrográfica e do maior rio do mundo: a Bacia Amazônica e o rio Amazonas. Esses fluxos hídricos são fundamentais para diversas culturas e populações, abastecem e transportam milhões de pessoas, nutrem solos, fortalecem a floresta, cultivam alimentos agrícolas, pesqueiros e pecuários e garantem fonte de renda e sobrevivência de comunidades ribeirinhas em seus afluentes.

Apesar da abundância, a riqueza hídrica desses dois biomas — um reconhecido por sua força subterrânea e o outro famoso por suas águas superficiais — enfrenta ameaças crescentes nas últimas décadas, algumas delas ligadas diretamente à forma com que o setor produtivo lida com a vegetação e o solo. Desmatamento, incêndios florestais, irrigação intensiva e contaminação por produtos químicos são alguns dos principais fatores de degradação dos ecossistemas de água doce no Cerrado e na Amazônia.

Também engenheira ambiental e mestre em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos, Bruna explica a relação intrínseca entre conservação da vegetação do Cerrado e a recarga dos aquíferos. “As águas dos aquíferos dependem da recarga periódica nas estações das chuvas, quando a vegetação natural do Cerrado permite a infiltração da água no solo. A substituição intensa da vegetação nativa por monocultura, especialmente soja e milho, reduz a capacidade de infiltração e aumenta grandemente o fluxo de águas na superfície do solo, levando à grandes perdas por evaporação em prejuízo aos aquíferos, provocando reduções importantes na produção de água nas nascentes das bacias hidrográficas da região”, contextualiza.

Thatiane Costa, monitora de campo no Projeto Rural Sustentável – Amazônia no estado de Rondônia, destaca o impacto que a degradação da floresta e das águas amazônicas vêm causando ao Território Sete de Setembro e da Terra Indígena Rio Branco, em Rondônia. “O desmatamento e a degradação florestal, o uso excessivo de agrotóxicos e contaminação da água nas áreas de entorno das terras indígenas são algumas das principais ameaças”, explica a bióloga e mestre em Ciências Ambientais. 

Entre junho e novembro de 2024, a seca atingiu cerca de 770 mil pessoas só no estado do Amazonas, de acordo com a Defesa Civil estadual. Thatiane relembra os efeitos das mudanças climáticas na região nesse período, quando o bioma enfrentou um cenário de seca extrema e com proporções históricas. Assistiram, de perto, as florestas e as roças produtivas queimar. Todo esse cenário ameaça a produção agrícola, os modos de vida e a própria sobrevivência da floresta, relembra a bióloga. 

Também é um contexto alarmante para o Cerrado. Até 2050, o bioma pode perder um terço de seu volume de águas (34%), caso a degradação continue no ritmo atual. É o que indica o estudo “Um Futuro Preocupante para os Fluxos dos Rios no Cerrado Brasileiro Provocado por Mudanças no Uso da Terra e no Clima” (traduzido do inglês A Worrying Future for River Flows in the Brazilian Cerrado Provoked by Land Use and Climate Changes), apoiado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e publicado em 2023. Em análise histórica (1985-2022), o mostra que os rios cerratenses perderam 15,4% de sua vazão, por causa do desmatamento e das mudanças climáticas.

É possível mudar essa realidade: com a contenção do desmatamento e o incentivo às práticas produtivas sustentáveis realizadas nos territórios e às tecnologias de baixa emissão de carbono. O Programa Rural Sustentável (PRS) vem fazendo isso há mais de uma década.

Fortalecendo a produção sustentável no Cerrado e na Amazônia

Desde 2019, o Projeto Rural Sustentável – Cerrado incide diretamente na proteção da vegetação nativa e no uso consciente dos recursos naturais — incluindo os recursos hídricos. Ao promover e implementar tecnologias de baixa emissão de carbono, incentiva a recuperação de áreas degradadas e  impede a abertura de novas áreas para cultivo. Trabalha também com atividades de conscientização a respeito da importância da conservação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e da Reserva Legal nas propriedades, locais ambientalmente sensíveis e fundamentais para a proteção da qualidade das águas e da biodiversidade. 

Já na Amazônia, o Projeto Rural Sustentável – Amazônia atua com o objetivo de fortalecer as cadeias produtivas da castanha-do-Brasil, pirarucu de manejo, açaí, cacau, café e peixes redondos na Amazônia Legal. Nos estados do Amazonas, Pará e Rondônia, trabalha em conjunto com 18 Organizações Socioprodutivas (OSP), priorizando a inclusão, a sustentabilidade e a valorização da sociobioeconomia, com foco em ações junto às comunidades tradicionais, aos povos indígenas e às organizações lideradas por mulheres e juventudes.

Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) fazem parte do conjunto de práticas produtivas sustentáveis impulsionadas nos Projetos. Estratégia que envolve a integração dos ecossistemas no terreno para cultivo, as agroflorestas também são carinhosamente conhecidas por agrofloresteiros como uma forma de “plantar água”. Isso porque o cultivo nesse sistema dialoga com toda a biodiversidade e serviços onde está inserido, sejam microorganismos, animais, seres humanos, forrageiras, árvores e veios d’água.

Nesse processo, o cuidado com as águas da propriedade — e do bioma! — vem como causa e consequência. Muitas vezes, as agroflorestas também servem como forma de recuperar áreas degradadas e reflorestar o entorno de riachos e nascentes. É um modo de levar a agricultura e a pecuária para as florestas e vice-versa, em harmonia com o todo. Um exemplo é o cultivo do café no território Sete de Setembro e da Terra Indígena Rio Branco, em Rondônia, conta a bióloga Thatiane Costa.

O impacto também é socioeconômico: junto com o fortalecimento da economia nas comunidades, o cultivo do café ajuda a combater o desmatamento e as invasões ilegais. “A produção de café em sistemas sustentáveis dentro do território pode ser uma alternativa econômica viável sem comprometer os recursos naturais. Isso porque cultivar o café consorciado com outras plantas, como os indígenas fazem, melhora a qualidade do solo, reduz erosão e mantém a umidade, protegendo os recursos hídricos”, explica Thatiane.

E complementa: “A proximidade com a floresta também é um fator chave na qualidade do café produzido, pois aumenta a presença de polinizadores do ‘café robusta’. Em vez de desmatar para expandir a produção, manter a floresta próxima das lavouras ajuda na regulação do microclima e na proteção dos mananciais – e isso os indígenas fazem ancestralmente. Com essas práticas, o cultivo do café se torna mais resiliente às mudanças climáticas, gera renda para as comunidades e fortalece a proteção dos territórios indígenas contra ameaças como desmatamento ilegal, pois se torna uma fonte de renda para as famílias”.

Além — ou em conjunto — das agroflorestas, algumas estratégias sustentáveis a serem consideradas quando pensamos em conservação dos recursos hídricos são fertilizantes orgânicos, rotação e consórcio de diferentes culturas, gestão eficiente e sustentável da água — partir de práticas como irrigação por gotejamento e captação de água da chuva — e outras tecnologias agrícolas de baixa emissão de carbono.

São esforços que conciliam o desenvolvimento com a conservação. “As práticas produtivas sustentáveis favorecem o adequado manejo do solo, a restauração da vegetação, bem como a preservação da vegetação nativa, o que contribui com a infiltração da água no solo e favorece a recarga hídrica, ajudando a preservar os recursos hídricos”, esclarece Bruna Cesca.

O PRS tem como missão promover o desenvolvimento social e econômico, alinhado com as necessidades humanas e da natureza, e garantir dignidade e qualidade de vida. As mudanças climáticas, o aumento local da temperatura, desmatamento e incêndios florestais vêm alterando o regime regional de chuvas, o que interfere significativamente nos padrões naturais de recarga dos lençóis freáticos, na disponibilidade hídrica para os ecossistemas, no padrão de inundação dos rios e na frequência e intensidade de secas.

Frear os agentes emissores de gases do efeito estufa e de degradação, proteger as nascentes e os grandes fluxos d’água e conservar e recuperar a vegetação nativa são tarefas fundamentais para interromper e reverter o atual contexto ambiental e climático. Assim, é possível contribuir com a qualidade de vida das famílias nas zonas rurais e urbanas, das diversas populações tradicionais e indígenas e proteger a biodiversidade amazônica e cerratense.

Gostou dessa matéria? Saiba mais sobre o assunto!

Compartilhe:

Facebook
WhatsApp
LinkedIn