As mulheres agroextrativistas e produtoras agrícolas e pecuárias exercem um trabalho crucial para a segurança alimentar, nutricional e financeira no campo brasileiro. Apesar dessa grande importância no setor produtivo nacional, os últimos dados do Censo Agropecuário (2017) apresentam uma realidade pouco representativa — e nada inclusiva — do número de estabelecimentos comandados por mulheres no Brasil. Dos 5,07 milhões de propriedades rurais, apenas 946.075 (19%) são chefiados por figuras femininas.
Esse cenário, entretanto, não intimida as produtoras beneficiárias do Programa Rural Sustentável (2012-presente). Elas reconhecem o desafio e o enfrentam frente a frente, em busca de ocupar novos espaços no meio rural, transformando-o, assim, em um espaço mais inclusivo e sustentável. Atualmente, são mais de 1.500 beneficiárias no Projeto Rural Sustentável – Cerrado e no Projeto Rural Sustentável – Amazônia, incluindo agricultoras, produtoras e agroextrativistas ligadas às organizações socioprodutivas. Todas fazem parte, juntas, desta jornada pelo desenvolvimento sustentável no campo e por maior qualidade de vida.
No ponto de vista de Melissa Curi, coordenadora de Capacitação do Projeto Rural Sustentável – Amazônia e Cerrado, a sustentabilidade também trabalha diretamente com a busca pela equidade e pela garantia dos direitos das mulheres. “Um dos pilares muito fortes da sustentabilidade é a diversidade. Ter um ambiente diverso e plural, onde diferentes opiniões sejam validadas, escutadas e consideradas, isso é promoção de um desenvolvimento sustentável”, explica. E isso envolve a criação de espaços seguros e atentos para que as mulheres — e suas diversidades — “possam trazer suas perspectivas a respeito de determinados assuntos”, complementa.
A coordenadora contextualiza que essas perspectivas sempre serão múltiplas e diferentes pelas experiências que cada um tem, sejam homens ou mulheres. E podemos, também, ampliar essa discussão ao pensar gêneros, questões raciais e sociais. “Isso é falar de sustentabilidade e de uma sociedade mais justa. É falar de equidade, de liberdade”, destaca. E é falar, também, da construção de um presente e futuro sustentável, saudável, com dignidade e justiça social, ambiental e climática.
Em homenagem a este Dia Internacional da Mulher (8), te convidamos a conhecer Maria Sebastiana Martins, Marilene Fecchi — produtoras no Cerrado —, Marta Suely e Silvia Maia — agroextrativistas na Amazônia. São quatro histórias sobre a vida no campo e na floresta, de liderança e resistência, de momentos de superação e conquistas, objetivos alcançados e novos sonhos a serem realizados.
Projeto Rural Sustentável – Amazônia (2022-presente)
Mulher é resistência, é coragem, é força da natureza na Amazônia. Juntas, elas são e estão presentes em diferentes espaços do bioma para fortalecer a diversidade de ideias e abrir novos caminhos para o protagonismo feminino – seja na universidade, no campo, em papéis de liderança ou onde mais desejarem estar –, rumo a construção de um futuro mais inclusivo e que seja sustentável para todos e todas.
Um dos compromissos do Projeto Rural Sustentável – Amazônia (PRS – Amazônia) é justamente fortalecer a mulher amazônica por meio de suas frentes de atuação. No Projeto, elas estão presentes no Mestrado Profissional, no campo, na liderança de Organizações Socioprodutivas (OSPs) e na equipe do Projeto, formando essa grande rede em prol da sustentabilidade. Vem conhecer duas dessas histórias!
Marta Suely: aprendizados e sonhos que empoderam mulheres
Esta também é uma história de encanto, sonhos e construção de rede para fortalecer mulheres. Marta Suely, de 48 anos, mora no município de Brasil Novo (PA) e é coordenadora do setor de formação da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), uma das OSPs parceiras do Projeto. Junto ao seu esposo, fundou a Cooperativa de Orgânicos do Xingu, atuando na produção do cacau orgânico, mas sua história com esse fruto começou quando adolescente, uma forma de complementar a renda da família. O amor pela terra cresceu, frutificou e, hoje, ela apoia a autonomia de outras mulheres do campo.
Marta é uma das estudantes do Mestrado Profissional, parte do Programa de Capacitação do PRS – Amazônia. “Participar do mestrado é a realização de um sonho”, inicia. “Isso é uma coisa que todas as pessoas que convivem comigo sabem. Para os mais próximos de mim, eu dizia: ‘Olha, eu quero fazer um mestrado, mas precisa ser na área que eu gosto!’”, conta a extrativista.
Marta, há quanto tempo você trabalha na produção do cacau?
A minha história com o cacau começou quando eu tinha aproximadamente doze, treze anos, quando a minha família decidiu plantar cacau para poder cultivar aqui na chácara, onde a minha mãe vive até os dias atuais […]. O meu foco principal é produzir cacau para que eu possa ter uma amêndoa saudável, orgânica, livre de veneno e, a partir daí, beneficiar e produzir nibs para o mercado. Hoje, o meu foco principal na formação da qualificação profissional é criar possibilidades de autonomia para atuar nas atividades do campo.
Na sua visão, qual a importância das mulheres produtoras ocuparem espaços na universidade, especialmente no mestrado?
Ocupar um espaço na academia sendo produtora rural é um desafio. Poder participar do mestrado hoje — principalmente dentro das linhas de atuação com o cacau —, para mim é muito importante, porque isso cria possibilidades de profissionalizar a atividade da lavoura cacaueira sob o olhar feminino. Então, é muito importante porque eu, por exemplo, ao longo da minha vida, não busquei a universidade. A formação, a qualificação profissional, foi única e exclusivamente com foco em um emprego.
Como o PRS – Amazônia vem impactando sua vida? Qual a importância do Mestrado Profissional para você?
Quando eu soube que o Mestrado Profissional viria atender o público da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) e que eu poderia, como parte desse público, participar de um processo seletivo e fazer minha qualificação profissional, isso transformou minha vida. Eu estou conhecendo lugares diferentes, tendo experiências fantásticas. Visitamos lugares em Rondônia, para conhecer a cadeia de peixes redondos, e no Pará — em Belém, onde visitamos a Ilha do Combu. Então, isso transforma a vida da gente, cria uma nova possibilidade de visão do mundo, agrega na formação pessoal e, principalmente, na minha qualidade de vida. Eu só tenho que agradecer pela oportunidade de estar perto de todas essas pessoas, desses professores e das possibilidades que têm sido apresentadas para que a gente possa fazer as melhores escolhas daqui para frente.
Galeria Marta Suely
Silvia Maia: quando mulheres assumem papéis de liderança
Uma das lideranças comunitárias no município paraense de Beja (PA), Silvia Maia é fundadora e presidente da Associação Multissetorial dos Empreendedores de Beja (AMSETEB) — OSP parceira do Projeto. Por conhecer de perto a comunidade da qual faz parte, Silvia percebeu a necessidade de buscar novas formas de fortalecer as atividades produtivas no território, a fim de aumentar a renda e a qualidade de vida local.
“O açaí é uma das culturas que mais demanda em nossa região. Os agricultores e os ribeirinhos, principalmente, são quem detém esta cultura como extrativismo, e necessitam de apoio, de melhorias para desenvolverem-se como atividade produtiva e rentável”, contextualiza. A liderança conta que é uma jornada desafiadora, mas os resultados têm reverberado positivamente em diversos cantos do município, especialmente após a parceria com o PRS – Amazônia.
Como é o seu trabalho na Associação Multissetorial dos Empreendedores de Beja (AMSETEB)?
Como fundadora e presidente na AMSETEB, tenho uma rotina agitada, mas que, no fim, vale a pena. Eu participo de reuniões, junto a órgãos [e instituições]; busco parcerias; direciono emissão de documentos pertinentes para os associados, como o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e atualização dos próprios documentos pessoais dos associados. Incentivo o empreendedorismo rural, assim como formações profissionais para os jovens e a inclusão no meio digital — direcionado às pessoas da melhor idade [mais velhas], para que aprendam e se desenvolvam com as ferramentas digitais, e, ao mesmo tempo, saibam como evitar problemas com fraudes (golpes). Incentivo grupos culturais e de artesanato da região e envolvo-me também — e em parcerias com uma rede de outros líderes comunitários —, em lutas sobre questões relacionadas a crimes ambientais.
Como é a sua história de trabalho com a cadeia do açaí?
O açaí é uma das culturas que mais demanda em nossa região. Os agricultores e os ribeirinhos, principalmente, são quem detém esta cultura como extrativismo, e necessitam de apoio, de melhorias para desenvolverem-se como atividade produtiva e rentável. Enquanto líder da comunidade, em visitas nas propriedades, percebi a carência de apoio, o quanto necessitam melhorar para buscar o seu próprio desenvolvimento. Tenho muito o costume de visitá-los e, com isso, percebo que as pessoas são sedentas por informação, as quais nem sempre tenho capacidade de oferecer — e o PRS — Amazônia vem suprir nesta parte.
Na sua opinião, qual a importância da mulher no campo? Como isso contribui para um futuro mais sustentável?
A mulher possui visão, visão de futuro. E, também, uma coisa chamada sexto sentido — diria que intuição — de quando as coisas podem dar certo. As mulheres são certeiras quando olham para o horizonte e conseguem ver o que pode dar certo, refiro-me também a um olhar para sua propriedade. As mulheres são mais atenciosas e atentas. E, quando se trata de futuro e boas práticas para contribuir para o melhor, como a sustentabilidade, elas são mais disciplinadas e propensas a aderir a algo que as beneficie e valorize seus territórios, suas ações e seu desenvolvimento.
Como tem sido essa parceria com o Projeto Rural Sustentável – Amazônia?
O PRS – Amazônia tem proporcionado uma visão de crescimento, desenvolvimento organizacional e o compromisso enquanto entidade. Tem trazido, de certa forma, um norte para um passo mais adiante, mais evoluído, enquanto instituição. Acredito que tem ampliado a visão dos associados participantes sobre o que significa estar inserido em uma instituição associativista, no intuito de permanecer unido e participativo, para, assim, saber conhecer e saber falar sobre a instituição a qual estão envolvidos. Acredito que as expectativas foram mudando no decorrer da realização do projeto e que os associados esperam, sim, que coisas boas e melhorias aconteçam em seu desenvolvimento, pois têm acreditado, têm se envolvido. Até os que não participam tanto, mas sabem, confiam, que vai dar certo, no sentido de: “estou aqui porque vem coisa boa pra nós”.
Galeria Silvia Maia
Projeto Rural Sustentável – Cerrado (2019-presente)
Por trás da história no campo, existe uma mulher que foi responsável por impulsionar diálogos e fortalecer caminhos, seja no cuidado com a família, na condução da propriedade ou na busca de conhecimentos inovadores. A mulher no campo, ao se engajar em iniciativas de sustentabilidade, se torna uma agente de mudança e uma fonte de inspiração para a comunidade.
O PRS – Cerrado tem o compromisso de apoiar o trabalho destas mulheres que, diariamente, transformam o meio rural. Determinadas e sempre dispostas a aprender novos métodos e tecnologias, a participação ativa de mulheres na produção rural tem sido crucial para a construção de um modelo de desenvolvimento mais sustentável e inclusivo no Cerrado. Venha conhecer um pouco da história de duas delas!
Maria Sebastiana: cultivar como uma forma de liberdade
Maria Sebastiana Martins Sobral tem 58 anos e mora próximo a Cristalina (GO), no assentamento Manacá. Ela vive na roça desde que nasceu e, depois de anos trabalhando no garimpo, resolveu se tornar uma produtora rural. Hoje, Dona Maria Sebastiana trabalha com hortaliças, fazendo a venda na feira e entrega de merenda escolar no Instituto Rede Terra, além de cuidar da produção de leite e da lavoura em sua propriedade.
A partir de sua atuação no campo, Maria Sebastiana conseguiu realizar diversos sonhos. “Quando resolvi ser produtora, eu tinha um sonho. E era um sonho que, às vezes, eu pensava que era difícil, só que Deus realizou esse sonho na minha vida. Era ter uma terra”, compartilha.
Depois da conquista da sua terra em 2010, onde ela passou a conseguir o sustento da família, Dona Maria Sebastiana também conquistou um gado, um trator, e o mais recente: uma carretinha para fazer a comida do gado.
Como ser mulher influencia na sua profissão como produtora? Você sente que a produção no campo apoia sua segurança financeira e te promove autonomia?
No campo, às vezes a gente passa por muita luta, mas com segurança e bondade a gente consegue resolver. Se a gente trabalha no campo pra gente mesmo, ser autônoma, é uma coisa muito boa. A mulher, ela tem que ser uma pessoa disposta para poder resolver os problemas do campo.
E como a sua relação com o meio ambiente influencia na sua forma de produzir sustentavelmente?
Para trabalhar no campo a gente tem que respeitar as leis. As leis que a gente respeita é não matar os bichos, trabalhar com honestidade, respeitar a reserva… A gente tem a produção dentro da área coberta, que é estufa, tem também uma produção fora, mas a gente sempre está se corrigindo para não ultrapassar fora do limite com o meio ambiente. E é muito bom trabalhar no campo. Eu como mulher, eu me dedico ao meu trabalho e sou muito feliz com ele e com a minha família, meu esposo, plantando, colhendo e vendendo.
Maria, na sua visão, qual a importância das mulheres ocuparem esse espaço produtivo no campo?
A minha visão sobre a mulher é que, antigamente, ela não tinha espaço, os espaços eram dos maridos. Hoje a mulher é independente. Ela tem liberdade, ela pode produzir. Hoje, a maior parte das mulheres que moram no campo, são elas quem tratam do gado, elas são quem tiram o leite, elas são quem fazem os queijos. A mulher não tem mais de ficar só cuidando da casa. Eu gosto dessa liberdade no campo.
Como o Projeto Rural Sustentável – Cerrado vem impactando sua vida?
O Projeto Rural Sustentável é uma coisa que me fez muito bem. Eu aprendi a trabalhar, aprendi a conviver com os demais companheiros [de profissão]. Com o projeto, também recebi assistência técnica, que me ensinou muito. A equipe sempre me orienta e ajuda, então eu torço para que esse projeto vá mais para frente, porque ele é muito bom mesmo. A gente precisa aprender mais com ele.
Galeria Maria Sebastiana Martins
Marilene Facchi: sonhos alcançados com o trabalho rural
“Eu comecei a trabalhar no orgânico por opção, porque é um produto mais saudável e atende melhor o consumidor — um produto melhor para a mesa do consumidor”, conta Marilene Ferronato Facchi, de 65 anos. Moradora do Assentamento Três Barras, em Cristalina (GO), Marilene é produtora de hortaliças orgânicas e vende sua produção no município, na feira das Centrais de Abastecimento do Distrito Federal (CEASA), e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) local, em parceria com a Cooperativa Rede Terra.
Ao longo de sua história, o campo a ajudou a alcançar muitos objetivos. “Construí minha casa, comprei meu caminhão de trabalho e a minha irrigação, que já está bem grande, e minha horta continua aumentando. Já concluí muitos sonhos e pretendo concluir mais ainda!”, compartilha.
Produtora há 34 anos, Marilene foi criada na zona rural. Atualmente, toda sua família trabalha com produtos orgânicos.
Como ser mulher influencia na sua profissão como produtora? Você sente que a produção no campo apoia sua segurança financeira e te promove autonomia?
A mulher hoje se destaca no campo. Hoje, a mulher luta [e trabalha] muito mais na horticultura do que o homem. Mas o trabalho da mulher no campo ainda não é reconhecido como deveria ser. Ainda se destaca muito a figura masculina. E isso a gente está querendo mudar!
E como a sua relação com o meio ambiente influencia na sua forma de produzir sustentavelmente?
Aqui, a gente respeita o meio ambiente. A gente tem o terreno todo aceirado, plantamos com o Sistema Agroecológico, que volta ao meio ambiente. Temos as [abelhas] mamangavas que fazem a polinização do maracujá, não tem mais a necessidade de fazer manual, e as aves fazem ninho na porta da casa. Temos muitas aves, muita variedade.
Na sua visão, qual a importância das mulheres ocuparem os espaços produtivos?
Eu acho importante porque, para mim, como mulher, eu acho o trabalho de campo melhor do que o trabalho de dentro de casa. Como antigamente, as mulheres eram do lar, não é? Hoje prefiro trabalhar no campo ao invés de trabalhar dentro da minha casa. Eu acho que é muito importante a mulher desenvolver o trabalho de campo.
Como o Projeto vem impactando sua vida?
O Projeto, a princípio, me ajudou no custo da casa, porque me deu uma motivação para eu terminar minha cozinha. E ele me ajudou no geral. Eu tive muito conhecimento, muito apoio. Em um Dia de Campo, eu trouxe muitas pessoas aqui também, teve muita troca de conhecimento, experiências e ideias com as pessoas. E está sendo muito bom. Eu queria só que continuasse, que tivesse mais investimento para nós.
Galeria Marilene Facchi
Gostou desta matéria? Venha conhecer mais sobre os Projetos inseridos no Programa Rural Sustentável!