Há algumas décadas, a agricultura na Mata Atlântica atravessa uma jornada de transformação rumo à sustentabilidade. Durante frutíferos sete anos (2012-2019), o Programa Rural Sustentável (PRS) atuou em 40 municípios no bioma, promovendo a agropecuária de baixa emissão de carbono nos estados da Bahia, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
O PRS, no começo de suas atividades, esteve nas duas florestas tropicais do país: Amazônia e Mata Atlântica, por meio do Projeto Rural Sustentável Mata Atlântica e Amazônia. Guiado pelo objetivo de proporcionar autonomia produtiva e sustentável no campo com práticas produtivas de baixa emissão de carbono, o Programa buscou fortalecer a renda familiar local, conservar a biodiversidade e reduzir os impactos ambientais e climáticos da agropecuária. Após 12 anos desde o início dos trabalhos na floresta atlântica, o legado de muito trabalho coletivo do PRS se mantém, seja na prática cotidiana das famílias atendidas ou como referência para projetos futuros.
A Mata Atlântica é conhecida como o bioma mais degradado do país e, ao mesmo tempo, apresenta grande potencial para ser o primeiro a zerar o desmatamento. Sua produção agrícola regional é fundamental para a segurança alimentar do país, responsável por produzir a maior parte dos alimentos de consumo direto da população brasileira.
É sobre esse território que iremos conversar nesta matéria, passando por sua relevância agropecuária, relembrando a atuação do Programa Rural Sustentável no bioma e discutindo os principais desafios enfrentados.
Galeria de imagens da atuação do Projeto Rural Sustentável Mata Atlântica e Amazônia na Bahia
Um dos principais cenários da agricultura nacional
Ao contar a história da ocupação e da economia do Brasil, a Mata Atlântica pode ser um interessante ponto inicial. Essa linha narrativa acompanha a trajetória de colonização e industrialização do país a partir de toda a extensão litorânea e interiorana do bioma, desde o Rio Grande do Sul até Ceará e Piauí, passando pelo sul de Goiás e margeando o mar por boa parte do litoral do país. Isso equivale a aproximadamente 1.110.182 km2, pouco mais que o dobro do tamanho da França.
Objetivamente, a Mata Atlântica toca Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe, também se estendendo por parte da Argentina e Paraguai.
Antes presente em 15% do país, a Mata Atlântica é o bioma mais antropizado do Brasil: 67% de seu território é ocupado por atividades humanas, o que corresponde a 74 milhões de hectares. Resumidamente, 65% de sua extensão (71,9 milhões de hectares) é ocupada por atividades agropecuárias.
Pastagem lidera os usos do solo, compreendendo 39% da área com atividade humana na Mata Atlântica; seguida pela presença dos mosaicos de uso — onde coexistem agricultura e pecuária — em 24,6%. A soja ocupa 14,2%, compondo as três principais formas de uso no território antropizado, de acordo com os dados de 2023 na plataforma MapBiomas Cobertura.
As áreas urbanas na Mata Atlântica — com algumas das mais populosas capitais do país — correspondem a 2,86% de sua extensão antropizada, atrás do quantitativo de ocupação das produções de cana, silvicultura (madeira, celulose ou papel) e outras lavouras temporárias (exceto arroz, algodão, cana e soja).
De acordo com estudo do ‘Produção de Alimentos na Mata Atlântica’, liderado pelo SOS Mata Atlântica, o bioma compreende 27% das terras agropecuárias nacionais, onde estão 40% dos estabelecimentos rurais do país. “É responsável por aproximadamente metade da produção agropecuária nacional, mas emite somente 26% do total de gases de efeito estufa (GEE) deste setor”, analisa o documento, divulgado em 2022.
Nesse cenário, a pesquisa afirma que a Mata Atlântica, apesar de atuar significativamente na produção de commodities, também produz a maior parte dos alimentos de consumo direto da população brasileira.
A pesquisa do SOS Mata Atlântica, a nível nacional, também aponta para um cenário sustentável e com emissão negativa de gases do efeito estufa no setor de uso da terra na Mata Atlântica. Para que essa possibilidade se concretize, é necessária a aplicação de um conjunto de medidas comprometidas com o fim do desmatamento no bioma, juntamente com a restauração florestal, recuperação de áreas degradadas e a implementação de práticas agropecuárias de baixa emissão de carbono.
Galeria de imagens do PRS atuando em Minas Gerais
Memórias de transformação: Programa Rural Sustentável na Mata Atlântica (2012-2019)
Movido por seu compromisso de aumentar a produtividade e promover sustentabilidade no campo, o Programa Rural Sustentável impactou a vida de mais de 14.300 produtores e produtoras no campo da Mata Atlântica.
O alcance do PRS foi consequência direta de um conjunto de estratégias para acessar famílias produtoras na Bahia, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, a partir de eixos educacionais e tecnológicos. Sempre considerando as particularidades de cada território, as práticas aplicadas incluíram: capacitação, criação de Unidades Demonstrativas (UD) e Unidades Multiplicadoras (UM) — estruturadas com tecnologias produtivas de baixa emissão de carbono —, Áreas Sustentavelmente Manejadas, Dias de Campo (DC), Assistência Técnica e fornecimento de mudas e insumos agrícolas.
Construído para promover produtividade com práticas de baixo impacto ambiental, esse conjunto de unidades recuperou áreas degradadas, realizou atividades de adequação ambiental e incluiu a aplicação de Áreas de Conservação Florestal (ACF). Para a criação de uma Unidade Multiplicadora, por exemplo, o Programa forneceu assistência técnica aos produtores rurais envolvidos — considerando as etapas de planejamento, implementação e acompanhamento das práticas — e recompensou financeiramente os resultados alcançados pelos produtores.
Após nove anos de atuação na Mata Atlântica, o PRS adiciona ao seu legado o treinamento de 1.393 agentes de assistência técnica. Apenas com as oficinas familiares, capacitou 2.338 pessoas — desse total, 13% foram jovens, grupo importante de ser alcançado diante do atual dilema geracional da permanência da juventude no campo. Considerando todas as ações de capacitação, foram 22.677 pessoas alcançadas.
Desafios ambientais na Mata Atlântica
Lar de seres como o mico-leão-dourado, jerivá, harpia, jequitibá e arara-grande-vermelha, a Mata Atlântica é considerada um dos principais hotspots de biodiversidade do mundo, por abrigar intensa diversidade de vida e ser altamente ameaçada.
Algumas das principais ameaças à Mata Atlântica são: degradação ambiental, especialmente efeitos de borda e corte seletivo; desmatamento decorrente do avanço da fronteira agrícola e expansão das cidades; degradação dos ecossistemas de restinga (vegetação costeira) e dos campos naturais; altíssimo número de espécies sob risco de desaparecer; e contaminação por agrotóxicos.
Esse conjunto de fatores interfere diretamente na sociobiodiversidade da Mata Atlântica e impacta a qualidade ambiental e climática da região e de todo o país.
- Degradação ambiental e desmatamento
Ao longo da história, a Mata Atlântica é considerada o bioma mais degradado do país.
Proporcionalmente ao quantitativo de vegetação nativa remanescente, a Mata Atlântica apresenta os maiores índices de áreas suscetíveis à degradação: varia de 36% (12 milhões de hectares) a 73% (24 milhões de hectares), de acordo com o MapBiomas.
Grande parte dessa fragilidade acontece por conta das ilhas de vegetação: conforme indica o MapBiomas, 6 estados da Mata Atlântica apresentam menos de 30% da vegetação nativa. Como consequência, essas áreas nativas ficam mais vulneráveis à invasão de espécies estrangeiras, alteração da temperatura do ecossistema e redução dos recursos naturais do local (incluindo água e alimento).
Em 2023, o desmatamento na Mata Atlântica caiu em 59% em relação a 2022, com redução em todos os estados. Os dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil de 2023, elaborado pelo MapBiomas, também indicam que, em 2023, 12.094 hectares do bioma foram derrubados, o que representa 0,7% da área total desmatada no país.
Esse quantitativo ainda preocupa, especialmente porque a maior parte da área florestal atlântica já foi desmatada — restam menos de 29% do território com cobertura florestal. Por outro lado, a Mata Atlântica é um dos três biomas com maior proporção de vegetação secundária (21%), ou seja, áreas anteriormente desmatadas e que estão no processo de regeneração.
O atual contexto indica que é possível alcançar o desmatamento zero na Mata Atlântica. Por ser o principal vetor da redução da vegetação no bioma, a agropecuária tem uma responsabilidade imensa: reduzir seu impacto ambiental e recuperar áreas degradadas.
Diante desse cenário, o PRS trabalhou pela conscientização e o cuidado com a Mata Atlântica. Pautado no desenvolvimento rural comprometido com a redução dos impactos ambientais no bioma, se esforçou para conter a degradação causada pela agropecuária.
A partir das atividades de capacitação e implementação das tecnologias agrícolas de baixa emissão — especialmente aquelas que lidam com recuperação de áreas degradadas e o manejo sustentável da vegetação nativa —, o Programa contribuiu diretamente na redução do desmatamento e da emissão de gases do efeito estufa e possibilitou ferramentas para impedir a perda da biodiversidade e o empobrecimento do solo.
Galeria de imagens do PRS no estado do Rio Grande do Sul
Caminhos possíveis para uma agricultura sustentável
A Mata Atlântica é responsável por diversos serviços ecossistêmicos fundamentais para a vida humana, desde disponibilidade hídrica e equilíbrio climático até fertilidade no solo, atenuação de desastres hidrogeológicos e garantia da segurança alimentar.
A proteção de sua biodiversidade e de seus serviços naturais pode coexistir com o desenvolvimento rural do país, caminhando junto à melhoria das condições de vida no campo e promovendo dignidade. Aumentar a produtividade nas práticas agrícolas não implica na ausência da sustentabilidade e do respeito ao meio ambiente — pelo contrário!
Tendo isso em consideração e com respeito à riqueza e relevância da Mata Atlântica, de 2012 a 2019, o Programa Rural Sustentável atuou comprometidamente para garantir que o bioma continue pulsante e de pé.
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