Dia do Cerrado: sustentabilidade no cuidado da terra

Em meio a queimadas e ao desmatamento, a relação entre agropecuária e meio ambiente precisa ser transformada pela sustentabilidade

Segundo maior bioma da América do Sul, o Cerrado é o coração e as veias hídricas do Brasil. Seus outros títulos são grandiosos e atravessam sua pluralidade em recursos e vida: é chamado de berço das águas, floresta de cabeça para baixo e savana mais biodiversa do planeta. Presente em 11 estados brasileiros e lar de 25 milhões de pessoas, sua diversidade natural é tão colorida e ampla quanto sua diversidade social.

Fundamental para a segurança hídrica, alimentar e energética do país, a funcionalidade de importantes setores econômicos do país — como a agricultura e pecuária —, a qualidade de vida e a adaptação climática dependem diretamente da conservação do Cerrado. Sua importância extrapola as fronteiras.

Por isso, o Programa Rural Sustentável (PRS) assumiu o compromisso de aproximar a sustentabilidade às práticas produtivas no bioma.  Desde 2019, o Projeto Rural Sustentável – Cerrado (PRS – Cerrado) promove a transformação da agropecuária ao implementar tecnologias agrícolas sustentáveis e de baixa emissão de carbono, que dialogam com as especificidades sociais e ecossistêmicas desse território.

Em comemoração ao Dia Nacional do Cerrado (11), vamos abordar os principais desafios encarados pelo bioma, explorar estratégias para enfrentá-los e considerar alternativas sustentáveis para o presente e futuro. Também refletiremos sobre soluções que já impactaram positivamente as populações cerratenses.

 

Desafios ambientais no coração do Brasil

Atravessando mais de 2 milhões de km² do território nacional, o Cerrado é o único bioma presente em todas as regiões do país — para além do Centro-Oeste, toca o Norte, com Tocantins e Rondônia; o Sul, com Paraná; os sudestinos São Paulo e Minas Gerais; e Maranhão, Bahia e Piauí, no Nordeste.  Nos 11 estados abraçados por essa savana, a rica diversidade é social, ambiental e cultural. 

Ao puxar na memória, o Cerrado tem cores quentes e refresca com suas cachoeiras e riachos de águas cristalinas. Com paisagens heterogêneas, avista os quatro cantos do Brasil — do alto, com suas serras, e os interiores, pelas cavernas. É a terra do pequi, da seriema, do lobo-guará, dos ipês multicoloridos, tamanduá, baru, gato-do-mato e buriti. É o lar ancestral de 83 etnias indígenas e mais dezenas de povos tradicionais distintos, incluindo 44 territórios quilombolas.

Tamanha sociobiodiversidade proporciona muitos conhecimentos e técnicas para coexistir com a natureza – e dela tirar o sustento. Essas estratégias respeitam o meio ambiente e inspiram ações que garantam a produção com baixo impacto ambiental no bioma.

Em um cenário em que o desmatamento e os incêndios florestais são os principais desafios para o Cerrado, tecnologias sustentáveis que busquem reduzir a emissão de gases do efeito estufa, por exemplo, são caminhos para lidar diretamente com essas questões ambientais.

 

  • Incêndios florestais no Cerrado

 

88,5 milhões de hectares do Cerrado queimou ao menos uma vez entre 1985 e 2023, de acordo com o MapBiomas Fogo — isso equivale a 44% do bioma. Cerca de 65% da área afetada pelo fogo no país queimou mais de uma vez nos 39 anos, sendo o Cerrado o bioma com a maior quantidade de recorrência.

Fumaça nubla os céus de todo o Brasil nos últimos dois meses — agosto e setembro dão sequência ao alto número de focos de incêndio de julho. Impulsionado pela seca histórica, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que, neste ano, 53.233 focos de queimada aconteceram no Cerrado, representando 32,4% de todo o fogo nacional (até 9 de setembro). A quantidade de focos este ano é o dobro do registrado em 2023, no mesmo período. Pela série histórica do Instituto, de 1998 até aqui, 2024 fica em terceiro lugar ao compararmos os maiores índices, ficando atrás apenas de 2010 (76.490) e 2007 (74.837 focos).

Os incêndios florestais no bioma estão diretamente ligados ao desmatamento, comumente utilizado como ferramenta de manejo para limpar áreas de cultivo. Essa prática aumenta gradativamente a degradação ambiental e interfere no equilíbrio dos ecossistemas cerratenses. Apesar de ter evoluído com o fogo — algo que, ao longo do tempo, adaptou o bioma —, os focos de queimada no Cerrado não apresentam a frequência, periodicidade e nem o alcance do fogo natural, que é causado por raios, na temporada das chuvas. 

 

  • Desmatamento no Cerrado

 

O Cerrado é uma das maiores e mais ativas frentes de desmatamento no mundo.

As alterações no uso do solo são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil. Isso significa dizer que o maior agente de degradação climática nacional é o desmatamento. Ao analisarmos os dados da série histórica do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG), foram aproximadamente 1,12 bilhão de toneladas de gases emitidos, em 2022, pelo setor de Mudança de Uso da Terra. A nível de comparação, o setor energético — principal emissor em todo o planeta — foi responsável por aproximadamente 412 milhões de toneladas de gases no país.

Para mitigar as mudanças climáticas, o Brasil precisa conter o desmatamento. Cerrado e Amazônia são os dois biomas mais ameaçados pelo desmate: em 2023, representaram 85% do total de área desmatada, de acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD). Com alarmante marca histórica, o Cerrado teve um aumento de 67% de área desmatada, com aproximadamente 1,1 milhões de hectares afetados.

Pela primeira vez no registro do RAD, o principal tipo de vegetação nativa desmatada foram as formações savânicas, no Cerrado, ultrapassando o desflorestamento amazônico. Nos últimos cinco anos, em todo o país, a abertura de novas áreas teve como principal agente de pressão o setor agropecuário. Os dados acompanham o avanço econômico do setor: entre 1985 e 2023, a agropecuária passou de 28% para 47% de ocupação no Cerrado.

Esse cenário sinaliza para a adoção de outras estratégias no uso do solo, convidando para o aproveitamento de terras já abertas. Uma alternativa é reutilizar as pastagens abandonadas no Cerrado, assim como a recuperação das áreas degradadas. As análises do Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento indicam que 30% das pastagens no bioma estão degradadas e subutilizadas.

O aproveitamento desses terrenos é interessante ao setor. De acordo com recente pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), existem mais de 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial para serem utilizadas para culturas agrícolas, apresentando alto potencial produtivo.

Ao comparar com a safra 2022/2023, o estudo aponta que a recuperação e uso das áreas degradadas poderia aumentar em 35% a área total de grãos no país. Se encontram no Cerrado a maior parte das áreas com potencial positivo para conversão agrícola.

 

Recuperar o Cerrado para um futuro sustentável

No esforço de mitigar as mudanças climáticas e adaptar os territórios aos fenômenos extremos, o Cerrado é estratégico de diversas formas: é um importante agente na contenção de carbono na atmosfera, contribui com a redução de gases do efeito estufa (GEE), melhora a qualidade do ar de todo o país e garante a segurança hídrica nacional. De pé e conservado, é um grande espaço para tecnologias e estratégias agrícolas de baixo impacto ambiental e de baixo carbono, especialmente quando articuladas à biodiversidade nativa.

Mas existe, também, aquilo que não vemos diretamente: o bioma estoca aproximadamente 13,7 bilhões de toneladas de carbono. Desse total, cerca de 8,2 bilhões de toneladas estão armazenadas no solo e em suas raízes profundas. Se liberadas para a atmosfera, de acordo com o WWF – Brasil, o impacto seria quase 30% das emissões mundiais de 2017.

Suas raízes também são agentes fundamentais para a segurança hídrica, alimentar e energética no país. Atuam como esponjas imensas, absorvendo água e abastecendo milhões de nascentes o ano todo. 8 das 12 principais bacias hidrográficas do país recebem água do Cerrado, assim como os aquíferos Bambuí, Urucuia e Guarani.

Na contramão dos alarmantes índices de incêndios florestais e desmatamento progressivo, organizações e entidades se reúnem em uma jornada de cuidado e preocupação com o bioma.

 

  • Projeto Rural Sustentável – Cerrado

 

‘Como aumentar a produtividade agrícola sem agredir o meio ambiente?’ é uma das perguntas motoras do Projeto Rural Sustentável em terras cerratenses. Nasceu em 2019 já com um nome composto robusto, apresentando diretamente a que veio: Projeto Agricultura de Baixo Carbono e Desmatamento Evitado para Reduzir a Pobreza no Brasil Fase II – Desenvolvimento Rural Sustentável no Cerrado.

Atua em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais a partir de quatro principais frentes: apoio e financiamento à agricultura e pecuária de baixa emissão de carbono, assistência técnica efetiva, fomento à pesquisa e capacitação aos produtores e prestadores de serviços técnicos locais.

Toda essa estrutura é articulada com parcerias, unindo diferentes atores para alcançar os dois principais objetivos do Projeto: mitigar as emissões de gases do efeito estufa (GEE) e aumentar a qualidade de vida no campo, a partir do aumento da renda dos pequenos e médios produtores e produtoras.

Em direção a esse compromisso, implementa e apoia tecnologias agrícolas de baixa emissão de carbono como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e a Recuperação de Pastagens Degradadas. Os efeitos dessa movimentação já são sentidos. 

Nesses cinco anos de trabalho, o Projeto Rural Sustentável – Cerrado cria um legado de inovação e sustentabilidade. São mais de 9.600 pessoas cadastradas no Projeto, sendo impactadas diretamente, e mais de 300 mil hectares de propriedades privadas engajadas com a  produção atenta à natureza. Para além do significativo impacto no campo, contribuiu com a geração de conhecimento científico sobre a sustentabilidade e agropecuária no Cerrado.

Ao unir os conhecimentos tradicionais do campo, saberes da ciência e tecnologias inovadoras, alcançou dezenas de comunidades rurais. Cada ação é mais um passo rumo a uma agricultura resiliente, produtiva e comprometida com o meio ambiente e o clima.

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